Pégaso
Laura Monteiro (6.ºH)
1.º Prémio (Escalão B) - 7.º Concurso de Contos - Casa do Educador do Seixal (2025)
Tema: A Liberdade
Os cavalos alados são seres imaginários que vivem nas lendas e mitos antigos, pelo menos era isso que eu ouvia contar, mas os livros que habitavam nas estantes do escritório da minha mãe continham histórias sobre florestas, fadas, coisas mágicas e misteriosas, havendo um em particular que me chamava a atenção. O título era “Pegasus” e a capa era de fundo negro com quatro estrelas prateadas brilhantes, que me faziam lembrar uma constelação. Quando perguntava à minha mãe se o podia ler, ela negava sempre, dizendo que era demasiado nova para perceber a sua mensagem… Como assim, demasiado nova? Tinha 11 anos, era já bastante crescida, como é que a minha mãe não via isso? Uma vez decidi abrir o livro e fui parar a uma página que descrevia os cavalos alados. “Animais de coração puro e com grande poder de destruição” e, mais à frente, numa outra página li que Pégaso era filho de um monstro, Medusa… penso ser esse o nome, e de um Deus, portanto era um cavalo especial que não seria montado por qualquer comum dos mortais. Já não me lembro bem, mas sei que numa luta qualquer ele ajudou a derrotar um monstro (só monstros nesta mitologia) e Zeus, o Deus dos deuses, colocou-o lá no céu, transformando-o numa constelação para que pudesse ser sempre admirado. História interessante, que ainda me fez ficar mais curiosa sobre o livro e aquilo que ele contava. A partir dali fiquei entusiasmada e ainda mais curiosa, queria descobrir que constelação era essa, por isso todas as noites ficava um bocadinho a olhar para o céu a tentar ver que constelação era mais parecida com a capa do livro.
Até que numa noite estrelada de setembro algo de mágico aconteceu: estava eu a observar o céu, como fazia todas as noites, quando de repente uma constelação pareceu-me estar a mexer-se! Mal vi isto, esfreguei bem os olhos porque só podia ser algo fruto da minha imaginação, por mais que eu esfregasse continuava a ver o mesmo, por isso saí disparada do meu quarto. Estava cheia de vontade de acordar os meus pais, mas limitei-me a pegar no Roxie, o meu velho e fiel cão. Fomos a correr para o jardim, até que me pareceu que a constelação me estava a guiar para a floresta que existia à frente da minha casa. O Roxie saiu do meu colo e foi a correr em direção à floresta. Estava com medo, mas estranhamente senti-me segura e fui atrás dele. Apesar de ser de noite, a luz da lua permitia-me ver onde me encontrava, a floresta estava repleta de árvores densas, eram tão altas que pareciam querer tocar o céu. Havia uma pequena clareira, onde o luar conseguia entrar e no centro havia um pequeno lago. Atravessei a clareira, ouvi um ruído e o Roxie começou a ladrar. Detivemo-nos, olhei para o céu atentamente e vi a constelação a mover-se e a descer do céu, parecia sibilar. De repente tudo ficou inundado de luz, tanta que me cegava. Fechei os olhos e tapei o rosto. Não conseguia aguentar tanta luz. O Roxie começou a ladrar de novo e ouvi-o a correr. Abri os olhos, tinha de o proteger. Ele estava a ir em direção ao lago. Corri até ele. No meio do lago começámos a ver algo a surgir. Parecia estar a tomar forma de uma figura. Sei que deveria estar aterrorizada, mas sentia-me serena. Vimos surgir um belo cavalo branco com uma bonita crina azul. Fiquei imóvel. Só podia estar a sonhar, mas o Roxie não parava de ladrar, portanto ele estava a ver o mesmo que eu. Trémula, peguei no Roxie ao colo e fiquei a olhar para o cavalo enquanto o vi a sair calmamente do lago. Isto só podia ser um sonho! O cavalo começou a falar.
─ Não tenham medo, sou o Pégaso e preciso da vossa ajuda.
Não sabia o que responder, aliás, acho que nem era capaz de articular uma palavra. Estava a sonhar. Só podia ser. Mas lá consegui responder.
─ Sou a Lana e este é o Roxie. Vieste do céu?! És um cavalo que fala?
─ Como te disse, sou o Pégaso. Sou um cavalo que nasceu com asas e durante muito tempo, há muito, muito tempo, fui usado por Zeus. Acabei por ser colocado no céu e transformado em constelação como forma de agradecimento. Disseram que seria admirado e olhado por toda a eternidade. Penso que acharam que seria uma recompensa justa e que eu iria ficar envaidecido. E fiquei, confesso. Mas lentamente comecei a ficar cansado, não consigo mais estar no céu. Sinto-me refém e aprisionado. Sempre tive asas e pude voar para onde queria. Preciso da minha liberdade! E por isso preciso da vossa ajuda.
─ Da nossa ajuda? Não estou a ver como vamos conseguir ajudar-te… Se estavas preso, como é que conseguiste sair da forma de constelação?
─ Uma vez, a cada cem anos, numa noite de lua cheia, consigo mover-me. Foi o único pedido que fiz. Preciso de recuperar as minhas asas. Quero ser livre, ir para onde quero. Prefiro viver como um desconhecido do que ser eternamente admirado, poder ir onde quero, ser independente, ser eu próprio.
Olhei para os olhos de Pégaso e vi que estavam marejados de lágrimas. Senti a sua profunda tristeza, mas ao mesmo tempo também a sua força e determinação. Vi o Roxie a ir ao seu encontro encostando-se a ele de forma carinhosa. O meu cão tinha aceitado o seu pedido de ajuda. Agora era eu que tinha de decidir e não tive dúvidas.
─ Está bem, vamos ajudar-te. O que temos de fazer?
─ Têm de encontrar quatro zircónias e duas águas-marinhas. As zircónias são pedras raras e muito brilhantes que podem ser encontradas na natureza. Podem procurá-las nesta floresta. Elas são parecidas com os diamantes, por isso facilmente vão identificá-las. As águas-marinhas são encontradas em grutas e podem ter cores entre o azul claro e o verde claro. Existem duas grutas nesta floresta, mas infelizmente só têm esta noite para me ajudar, quando o sol começar a nascer sou de novo levado para o céu.
Senti uma responsabilidade enorme em cima de mim, não sabia se era capaz de encontrar as seis pedras de que o Pégaso falava, mas o Roxie começou a lamber-me, como se estivesse a encorajar-me. Estava em pânico, mas tentei respirar fundo e percebi que o Pégaso apenas me pedia algo que todos, ou quase todos, damos como garantido.
─ Vamos ajudar-te - disse eu -, mas como é que vamos saber onde são as tais grutas de que falas e onde estão as pedras? Não conheço assim tão bem esta floresta, nem sabia que existiam aqui grutas!
─ Existe um livro antigo que contém indicações sobre a localização das grutas e das pedras. Dizem que é um mito, mas é a minha única esperança. Esse livro está em tua casa.
O meu coração começou a acelerar. O Pégaso sabia que a minha mãe tinha aquele livro.
─ Sim, eu sabia a quem pedir ajuda. O teu coração é puro e ainda acreditas naquilo que os adultos já não creem.
Acariciei-o e olhei-o nos olhos. Corri de volta para casa com o Roxie para ir buscar o livro e uma lanterna. Peguei numa pequena mochila, tentei ser o mais silenciosa possível, tinha vontade de pedir ajuda aos meus pais, mas não sei se eles iriam acreditar. Deixei-lhes um bilhete caso acordassem, contando-lhes tudo. Não tinha tempo a perder. Precisava de encontrar no livro a localização das tais grutas. Procurei nervosamente e tentei concentrar-me. Pareceu-me ter demorado uma eternidade, mas acabei por encontrar num capítulo uma folha parecida com um mapa. Marquei a página e corri de volta para a floresta. Mostrei ao Pégaso o livro e ele disse que era esse de que ele falava. Pus o Roxie na mochila e desatei a correr pela floresta adentro com a lanterna a iluminar o caminho. O Pégaso não podia ir, tinha de ficar dentro do lago portanto, eu e o Roxie estávamos por nossa conta. Comecei por procurar as zircónias, o mapa indicava que estavam debaixo de uma árvore em particular, um carvalho centenário, com ramos enormes que se erguiam imponentes até ao céu. Chegámos ao local e, de imediato, reconheci a árvore, era a maior de todas e parecia estar viva e cheia de energia. Tinha de escavar num ponto específico, mas lembrei-me de que não tinha trazido nada e não dava tempo para voltar a casa. O Roxie começou a ladrar, estava com a cabeça de fora, inquieto, dentro da minha mochila. Tirei-o e coloquei-o no chão e ele começou de imediato a fazer uso dos seus dotes de cão. Começou a escavar furiosamente o chão, como fazia quando era mais jovem no jardim de nossa casa. Comecei a ver algo muito brilhante no fundo da sua escavação, deviam ser as pedras. Então ajudei o Roxie, com um pau que tinha encontrado, a desenterrá-las. Eram pequenas pedras e irradiavam um brilho e uma luz incríveis. Recolhi-as e quase fiquei hipnotizada pela sua beleza. Pu-las na minha mochila.
─ Isto foi muito fácil! – disse em voz alta, olhando para o Roxie.
Voltei a abrir o livro para ver onde era a localização das grutas. Estava animada. Existiam duas grutas, uma em cada lado da floresta. Decidi ir para a da esquerda, era mais pequena do que a da direita. Ao chegar lá vi que a entrada estava ocultada por arbustos, tive de ter muito cuidado para não nos arranharmos ao passar entre eles. De acordo com o livro, esta gruta descia. Entrámos, havia muita humidade e musgo, tínhamos de ter cuidado para não escorregar. Parecia-me ouvir pingos a cair. Olhei para a frente e não existia passagem para o outro lado, senão atravessando o que parecia ser um lago. Fiquei parada durante um bom bocado, a pensar como é que poderia passar para o outro lado, até que olhei para o teto e vi que o mesmo estava cheio de estalactites. Tive uma ideia arriscada, pensei que poderia agarrar-me, passando de estalactite em estalactite. Coloquei o Roxie na mochila, tinha de ser rápida, porque certamente as minhas mãos iam escorregar. Eram poucas, mas corria o risco de alguma se partir ou de eu escorregar e de ir parar ao lago. Respirei fundo, enchi-me de coragem e saltei em direção à primeira estalactite. Consegui agarrar-me e fui avançando, sem pensar muito porque não havia tempo a perder. Quando estava a chegar à última, ouvi um ranger que me assustou, ouvi algo a partir e senti-me cair. Aterramos no chão e uma dor aguda atingiu-me no pé. Consegui levantar-me, não estava partido. O Roxie estava a ladrar.
─ Estás bem, Roxie? Magoaste-te?
Tirei-o da mochila. Ele estava bem, era um cão resistente e além disso tinha aterrado nas minhas costas. Disse-lhe que tínhamos de prosseguir e voltei a colocá-lo lá dentro e, ao fazê-lo, vi que parte da estalactite tinha caído na mochila. Vi que era mais brilhante do que as outras e, reparando bem, não era só uma parte da estalactite que lá estava, era uma das pedras de que o Pégaso precisava. Estávamos com sorte! Ou talvez não… Apercebi-me de que não podíamos voltar para trás ao ter partido aquela estalactite, por isso seguimos em frente. Fomos dar a um longo túnel muito escuro e um pouco assustador, mas o Roxie estava comigo e tínhamos a luz da lanterna para nos guiar. Senti que caminhei imenso e chegámos a uma outra gruta. Era a segunda gruta! Era muito ampla. Procurei uma saída, mas não havia. Comecei a ficar preocupada, não sabia há quantas horas estávamos lá dentro e quanto tempo faltaria para o pôr do sol. O Roxie começou a dar sinais de querer ir para o chão e começou a correr em direção a um pequeno riacho, que me tinha passado despercebido. Saltou para cima de um tronco e percebi que ele queria que o usássemos como jangada. Fui ter com ele, arrastei-o para a água, sentando-me depois lá. Lentamente começámos a mover-nos e, passado algum temp,o vi algo meio verde, meio azul, na margem do riacho. Comecei a usar as minhas mãos como remos e consegui alcançar a segunda pedra. Era a que faltava!
O riacho foi dar à floresta, tínhamos saído da gruta! Felizmente ainda era de noite. Corremos para o lago, onde estava o Pégaso. Gritei entusiasmada que tínhamos as pedras. Os seus olhos pareciam brilhar de felicidade por ver que ia estar livre dentro de algum tempo. Pediu para que fizéssemos dois triângulos. Com uma água marinha no topo de cada triângulo e duas zircónias em baixo. Formei os dois triângulos a correr. As águas-marinhas pareceram começar a desintegrar-se e a formar uma nuvem de pó brilhante. Fechei os olhos, achei que tinha feito algo de errado ao ver as pedras desfazerem-se. Lentamente voltei a abrir os olhos e vi duas asas formadas no corpo do Pégaso. As asas eram azuis e luminosas, tinham-se formado a partir das águas-marinhas. Observei o céu e vi que a constelação estava formada. As zircónias tinham ido lá parar para que a constelação continuasse a existir.
Pégaso chorava de felicidade, por vezes as lágrimas também são de alegria. Finalmente estava livre. Tinha a sua liberdade e podia voar para onde quisesse. Saiu do lago e proferiu:
─ Estou eternamente grato. Sempre que precisares de mim, estarei cá para te ajudar. Levou-nos de volta a casa, deixando-me no meu quarto. Estava ansiosa por contar tudo aos meus pais. Olhei pela janela e vi que o Pégaso voou em direção ao céu, indo para onde desejava, sem limites e amarras.