O País dos Livres
1.º Prémio (Escalão C) - 7.º Concurso de Contos - Casa do Educador do Seixal (2025)
Tema: A Liberdade
Ninguém sentia dor no País dos Livres.
Ninguém sentia medo. Nem raiva. Nem dúvida. A felicidade era um direito garantido, tão essencial quanto o ar que respiramos. E quem poderia querer mais do que isso?
As pulseiras garantiam que estivéssemos sempre no caminho certo. Pequenos dispositivos, presos aos pulsos desde o nascimento, programados para nos guiar. Se um pensamento perigoso surgisse, um leve choque avisava. Se a dúvida se instalasse, uma corrente subtil trazia-nos de volta à clareza. Nada forte, nada cruel. Apenas um sussurro elétrico, gentil e paternal, a lembrar-nos do que era melhor para nós.
Eu nunca me tinha questionado. Até ao dia em que a minha pulseira parou de funcionar.
A primeira vez que aconteceu foi numa manhã qualquer, sem nada de especial. Acordei com o sol pálido a entrar pela janela, vesti o uniforme cinzento e saí para a escola como sempre. Mas, no caminho, vi algo estranho: uma rapariga parada no cruzamento.
Parada.
Ninguém parava sem motivo. Todos sabíamos o que fazer, para onde ir, o que era esperado de nós. Mas ela ficou ali, imóvel, com os olhos fixos na parede branca de um edifício. Quando passei ao lado dela, percebi que tremia. E então vi.
A sua pulseira piscava freneticamente. O visor embaciado, o som de pequenos estalidos elétricos. Algo estava errado.
Ela virou-se lentamente e olhou-me. E naquele instante, algo impossível aconteceu.
— Ajuda-me - a voz dela era um fio de vento, um segredo proibido.
O meu coração acelerou. O choque veio logo a seguir. Um aviso. O meu pensamento tinha ido longe demais.
Engoli em seco e afastei-me, o pulso ainda a arder da corrente elétrica. Mas, antes de virar a esquina, olhei para trás.
A rapariga ainda estava ali. A olhar para mim.
E depois, de repente… sorriu.
O sorriso dela perseguiu-me o dia todo.
Era impossível. Ninguém sorria assim. Não sem motivo. Não daquela forma.
Na escola tentei ignorar a inquietação. Mas, quando me sentei, percebi. A minha pulseira estava apagada. Nenhum visor. Nenhuma vibração. Nenhum choque.
Pela primeira vez na vida, os meus pensamentos eram só meus.
O professor falava sobre a História do País dos Livres — como, antes, o mundo era caótico, cheio de dor e escolhas erradas. Como tínhamos sido salvos da confusão. Mas eu não ouvia. O meu olhar pousou na janela.
A rapariga estava lá fora.
Sem pulseira.
Sem medo.
E, naquele momento, percebi. A liberdade existia. E tinham-nos mentido acerca dela.
O resto do dia foi um borrão. Palavras vazias dos professores, olhares neutros dos colegas. Tudo parecia igual, mas eu já não era o mesmo.
Quando o sinal tocou, saí sem pensar. Precisava de respostas.
A rapariga esperava-me no final da rua. Não fugiu quando me aproximei. Pelo contrário, olhou-me com uma calma impossível.
— Estás pronto para ver? - perguntou.
Engoli em seco. Não sabia o que responder.
Ela estendeu a mão.
E, naquele instante, percebi a verdade mais assustadora de todas: a liberdade não era um direito. Era uma escolha.
Olhei para o meu pulso vazio, para o caminho à minha frente, para a cidade onde tudo era perfeito e sem dor.
E depois, lentamente, aceitei a mão dela.
Corremos.
Pela primeira vez na vida, corremos sem um destino programado.
As ruas pareciam mais largas, o ar mais leve. Mas, ao longe, ouvi o primeiro alarme. Eles sabiam.
A cidade dos livres não aceitava deserções.
Virámos esquinas, saltámos muros, fugimos por entre becos estreitos. As luzes vermelhas já pintavam os céus. Mas a rapariga não parava.
E então, vi.
Uma cerca alta, enferrujada, no limite da cidade. Do outro lado, o desconhecido. O proibido.
O som dos guardas aproximava-se.
O coração batia-me no peito, a garganta seca, o corpo cansado. Mas ela olhou para mim e sorriu.
— Agora escolhes tu.
Atrás, segurança. Um mundo sem dor, sem medos, sem escolhas.
À frente, o caos. O frio. A incerteza.
Fechei os olhos. Respirei fundo.
E saltei.
O impacto foi suave. O chão era terra, não o asfalto frio da cidade. O ar era diferente. Mais puro.
Levantei-me.
E, pela primeira vez na vida, senti o vento verdadeiro no rosto. Sem choques. Sem avisos. Sem limites.
Lá em cima, o céu era mais azul.
Lá em cima, pássaros em bando voavam. Livres.
E eu soube, sem dúvida alguma, que tinha feito a escolha certa.
Tema: A Liberdade
Ninguém sentia medo. Nem raiva. Nem dúvida. A felicidade era um direito garantido, tão essencial quanto o ar que respiramos. E quem poderia querer mais do que isso?
As pulseiras garantiam que estivéssemos sempre no caminho certo. Pequenos dispositivos, presos aos pulsos desde o nascimento, programados para nos guiar. Se um pensamento perigoso surgisse, um leve choque avisava. Se a dúvida se instalasse, uma corrente subtil trazia-nos de volta à clareza. Nada forte, nada cruel. Apenas um sussurro elétrico, gentil e paternal, a lembrar-nos do que era melhor para nós.
Eu nunca me tinha questionado. Até ao dia em que a minha pulseira parou de funcionar.
A primeira vez que aconteceu foi numa manhã qualquer, sem nada de especial. Acordei com o sol pálido a entrar pela janela, vesti o uniforme cinzento e saí para a escola como sempre. Mas, no caminho, vi algo estranho: uma rapariga parada no cruzamento.
Parada.
Ninguém parava sem motivo. Todos sabíamos o que fazer, para onde ir, o que era esperado de nós. Mas ela ficou ali, imóvel, com os olhos fixos na parede branca de um edifício. Quando passei ao lado dela, percebi que tremia. E então vi.
A sua pulseira piscava freneticamente. O visor embaciado, o som de pequenos estalidos elétricos. Algo estava errado.
Ela virou-se lentamente e olhou-me. E naquele instante, algo impossível aconteceu.
— Ajuda-me - a voz dela era um fio de vento, um segredo proibido.
O meu coração acelerou. O choque veio logo a seguir. Um aviso. O meu pensamento tinha ido longe demais.
Engoli em seco e afastei-me, o pulso ainda a arder da corrente elétrica. Mas, antes de virar a esquina, olhei para trás.
A rapariga ainda estava ali. A olhar para mim.
E depois, de repente… sorriu.
O sorriso dela perseguiu-me o dia todo.
Era impossível. Ninguém sorria assim. Não sem motivo. Não daquela forma.
Na escola tentei ignorar a inquietação. Mas, quando me sentei, percebi. A minha pulseira estava apagada. Nenhum visor. Nenhuma vibração. Nenhum choque.
Pela primeira vez na vida, os meus pensamentos eram só meus.
O professor falava sobre a História do País dos Livres — como, antes, o mundo era caótico, cheio de dor e escolhas erradas. Como tínhamos sido salvos da confusão. Mas eu não ouvia. O meu olhar pousou na janela.
A rapariga estava lá fora.
Sem pulseira.
Sem medo.
E, naquele momento, percebi. A liberdade existia. E tinham-nos mentido acerca dela.
O resto do dia foi um borrão. Palavras vazias dos professores, olhares neutros dos colegas. Tudo parecia igual, mas eu já não era o mesmo.
Quando o sinal tocou, saí sem pensar. Precisava de respostas.
A rapariga esperava-me no final da rua. Não fugiu quando me aproximei. Pelo contrário, olhou-me com uma calma impossível.
— Estás pronto para ver? - perguntou.
Engoli em seco. Não sabia o que responder.
Ela estendeu a mão.
E, naquele instante, percebi a verdade mais assustadora de todas: a liberdade não era um direito. Era uma escolha.
Olhei para o meu pulso vazio, para o caminho à minha frente, para a cidade onde tudo era perfeito e sem dor.
E depois, lentamente, aceitei a mão dela.
Corremos.
Pela primeira vez na vida, corremos sem um destino programado.
As ruas pareciam mais largas, o ar mais leve. Mas, ao longe, ouvi o primeiro alarme. Eles sabiam.
A cidade dos livres não aceitava deserções.
Virámos esquinas, saltámos muros, fugimos por entre becos estreitos. As luzes vermelhas já pintavam os céus. Mas a rapariga não parava.
E então, vi.
Uma cerca alta, enferrujada, no limite da cidade. Do outro lado, o desconhecido. O proibido.
O som dos guardas aproximava-se.
O coração batia-me no peito, a garganta seca, o corpo cansado. Mas ela olhou para mim e sorriu.
— Agora escolhes tu.
Atrás, segurança. Um mundo sem dor, sem medos, sem escolhas.
À frente, o caos. O frio. A incerteza.
Fechei os olhos. Respirei fundo.
E saltei.
O impacto foi suave. O chão era terra, não o asfalto frio da cidade. O ar era diferente. Mais puro.
Levantei-me.
E, pela primeira vez na vida, senti o vento verdadeiro no rosto. Sem choques. Sem avisos. Sem limites.
Lá em cima, o céu era mais azul.
Lá em cima, pássaros em bando voavam. Livres.
E eu soube, sem dúvida alguma, que tinha feito a escolha certa.